MADONNARO: Gênero, técnica e linguagem pictórica
Marcelo
Amaral Coelho1& Fabio de Macedo2
1. Discente do Curso de Licenciatura em Belas Artes,
ICHS/UFRRJ; 2. Orientador de Monografia e
Professor Associado do Curso de Licenciatura de Belas Artes, ICHS/UFRRJ
Palavras-chave: Efemeridade,
Madonnaro, Pintura.
Introdução
O presente trabalho surgiu a partir do contato com o
Madonnaro agregado à vivência acadêmica
em Belas Artes. Esse contato se deu no ano de 2013, quando selecionados para o
Programa Ciências sem Fronteiras (CAPES), tivemos a oportunidade de participar
de um curso de Madonnaro, em Verona
(Itália). Em 2014, por conta de um projeto PIBID/CAPES elaborado para ser
desenvolvido com alunos do EJA/Fase IX, em Seropédica (RJ), houve a necessidade
de aprofundar o conhecimento sobre o universo Madonnaro. Aprofundamento este que resultou no Madonnaro como tema
para a Monografia de conclusão de curso. A proposta então era uma pesquisa direcionada
para a possibilidade de aplicação da técnica da pintura sobre o solo como
instrumento de ensino de arte. Porém, à medida que acessamos novos
conhecimentos, a pesquisa foi ganhando um viés teórico e histórico no sentido
de investigar o Madonnaro enquanto
técnica, gênero ou linguagem. Para isso concorreu a constatação da inexistência
de material referencial quanto ao tema no contexto brasileiro. Foi então que
nos propomos a investigar a origem do culto mariano e sua iconografia. O que
nos levou a pensar a natureza e o entendimento da imagem no contexto cristão.
Feito isso, decidimos por fazer um levantamento da prática Madonnaro desde o início, no século XVI. Para argumentar sobre sua
consolidação como arte atentamos para importantes elementos que gravitam em
torno dessa prática artística. Uma vez reconhecida como arte, nos detivemos
sobre os procedimentos técnicos que envolvem a concepção de um Madonnaro.
Metodologia
A escassez de referências sobre o tema aumentou a
reunião de esforços para o desenvolvimento do trabalho. Recorremos às obras
especializadas, em língua italiana, que nos demandou um árduo trabalho de
tradução, proporcionado pela familiarização com o referido idioma. Esta tarefa
contou com contribuições de nacionais daquele país, amarrados pelo afã de
colaborar pura e simplesmente pela natureza cooperativa de amizades construídas
no contexto em que disfrutamos do intercambio acima mencionado. O texto capital
para o desenvolvimento da pesquisa foi o livro I Madonnari – annunciatori di anziane storie, de Felice Nalin, considerado
marco fundador das pesquisas referentes ao tema. A partir de entrevistas com vecchi madonnari em ação, Nalin escreveu
a história da prática pictórica. Para abordar o contexto paleocristão
recorremos ao historiador italiano Ennio Francia, buscando abrigo para repassar
o panorama histórico e estilístico do período. Outra referência em que buscamos
apoio foi Umberto Utro em publicação de Fabrizio
Bisconti. Nele encontramos as informações necessárias para um estudo
iconográfico da Madonna. Quando
resolvemos investigar a Iconoclastia, selecionamos Ernst Kitzinger, cujo estudo
privilegia
o contato com a obra como documento, cujas ideias não dispensa o contato com
outras áreas do conhecimento, mas se detém na leitura do monumento. As informações sobre os festivais de Madonnaro foram colhidas a partir de
textos reunidos na obra de Gabriela Annaloro et. al. Essa literatura especializada foi tratada dentro das ideias
que circunscrevem a teoria e história da arte na atualidade, apoiada no
pensamento de autores como: H.W. Janson, E. Gombrich, Jacqueline Lichtenstein,
Ralph Mayer e outros. Bem como Edson Motta, cujas formulações sobre técnicas
sobre procedimentos pictóricos foram de grande importância ao estudo em questão.
A pesquisa, portanto é de caráter bibliográfico, sendo estudo como corte
qualitativo.
Resultados e Discussão
A partir das análises perpetradas,
sustentamos a relevância do Madonnaro, pois
o mesmo se reafirma como “gênero”, “técnica” e “linguagem” pictórica, senão
vejamos: O Madonnaro pode ser
considerado um gênero de pintura em razão de sua marca característica, qual
seja: o tema. É inegável que a referência mariana na catacumba de Priscilla tenha sido capital para a
existência do Madonnaro – não à toa,
a prática tem este nome. A prática propõe um conjunto de procedimentos que lhe
proporcionam singularidade pictórica. Desde o início impregnado do esquematismo
bizantino, passando pela influência do Renascimento até o contato com o ensino
institucionalizado das academias, a pintura sobre o pavimento conservou alguns
procedimentos e alterou outros. O uso do
desenho, a aplicação da cor, a noção de proporção, o trato de claro-escuro e
demais recursos técnicos, foram incorporados à formação de seus artistas via
instituições formais de arte. O Madonnaro enquanto linguagem, dotado de
efemeridade e possuindo um conjunto de procedimentos, comunica uma ideologia. Antes
especificamente religiosa; atualmente, contempla a multiplicidade de discursos.
Tendo conhecimento de suas particularidades e recursos técnicos, é possível
explorar as potencialidades da gramática visual madonnara. Assim como a fala, o Madonnaro
é um fato social, externo ao indivíduo. Nasce e se perpetua nas relações
dinâmicas e interativas com o outro. É arte pública edificada numa tradição histórica
que ao mesmo tempo se assoma e dialoga com os paradigmas da arte contemporânea,
devido ao seu caráter público e efêmero. Não se desfaz da norma culta da
técnica, mas por conta das constantes atualizações, acaba por absorver
elementos inovadores.
Conclusão
Concluímos que o Madonnaro é
gênero; é técnica; é linguagem pictórica. Tal conclusão confere à prática uma
variedade de potencialidades a serem exploradas. Desde sua constituição de
natureza religiosa e artística, passando pelo aspecto turístico, cultural, bem
como sua potencialidade pedagógica. Este último vetor destaca a importante
função humanística e social do Madonnaro,
já que a arte tem como compromisso fundamental a mudança e a transformação da
sociedade, para o que a educação se constitui em ferramenta indispensável.
Dessa maneira, o Madonnaro se
constitui em ferramenta pedagógica a mais dentro do leque de possibilidades
artísticas. Seus procedimentos compreendidos pelo manuseio técnico que vão
desde os materiais mais alternativos, como giz, carvão e tijolo aos mais
sofisticados pastéis, todos não nocivos à saúde de quem os manipula, se
apresentam como apropriados a todas as faixas etárias. Com isso, o Madonnaro se demonstra como ferramenta
compatível a todos os níveis da educação e dentro do contexto educacional, as
possibilidades são amplas e inúmeras. A reflexão sobre a utilização do suporte
aponta para a conscientização quanto ao uso e preservação do patrimônio
cultural. Sua natureza religiosa, o aproxima da confecção dos tapetes de Corpus Christ, comuns em várias cidades
brasileiras, possibilitando, dessa forma, discussões em torno da
interculturalidade. Assim, acreditamos que este trabalho contribui para a
difusão de uma atividade em vias de reconhecimento acadêmico em terras
brasileiras.
Referências
Bibliográficas
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NALIN, Felice. I
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(Resumo expandido apresentado à III Reunião Anual de Iniciação Científica (RAIC) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 31 de agosto de 2015).