sábado, 19 de novembro de 2016

O MADONNARO E A FOLIA DE REIS: materialidades e imaterialidades

Madonnaro produzido pelos alunos (Detalhe)

Em 18 de novembro tivemos a oportunidade de trabalhar com os alunos do 8º ano, turma 801, do Instituto de Educação Dep. Luiz Pinto, em Valença (RJ), o tema MATERIALIDADES, previsto como conteúdo no Currículo Mínimo para a educação no estado do Rio de Janeiro. Assim sendo, recorrendo à contextualização, em discussão com os alunos, optamos por explorar a Folia de Reis, tradição cultural muito comum no sul do estado - e mais ainda na cidade de Valença. Lapidando mais a ideia escolhemos os instrumentos que pertencem à tradição da Folia de Reis para figurar nos trabalhos dos alunos. Dividimos a turma em grupos onde, após uma breve apresentação dos instrumentos, os alunos puderam criar seus estudos preliminares em folhas de papel A4. Antes, uma apresentação em slides trouxe ao conhecimento dos alunos a arte do Madonnaro e sua relação com outras duas técnicas de arte sobre o chão: a Infiorata e os tapetes de Corpus Christi. 

A Infiorata, assim como o Madonnaro, é uma arte nascida na Itália.Trata-se de uma tradição religiosa durante o dia de Corpus Christi onde os artistas criam um tapete contendo símbolos religiosos a partir de pétalas de flores. Essa tradição artística de gênero religioso teve início por volta de 1930 quando uma senhora resolveu por criar, sobre a pavimento da rua, uma "semplice figurazione floreale" utilizando alguns ramos de plantas (INFIORATE SPELLO, 2014). Empolgados com esta "simples figuração floreal", outros moradores e vizinhos resolveram por fazer outras imagens com plantas e pétalas de flores. Hoje em Spello, na região da Umbria, na Itália, os tapetes florais fazem parte de um prestigiado concurso.

Infiorata em Spello (Fonte: Infiorate Spello)

Em seguida, comentamos com os alunos sobre os tapetes de Corpus Christi. Esta uma tradição trazida ao Brasil ainda nos tempos da Colônia. A comemoração de Corpus Christi teve início no ano de 1246, após vários apelos de Santa Juliana, "(...) cujas visões solicitavam a instituição de uma festa em honra ao Santíssimo Sacramento" (CANÇÃO NOVA). Em 1264, o Papa Urbano IV, reconheceu e incluiu a solenidade na calendário oficial da Igreja. Tinha início a tradição da procissão e dos tapetes. A materialidade dos tapetes de Corpus Christi aceita serragem, sal, flores, madeira, pedra e outras mais. "O significado do tapete é representar a entrada de Jesus em Jerusalém. Na passagem Bíblica que fala desse momento, é dito que Jesus, ao entrar em Jerusalém, foi recebido com ramos de Oliveira, que eram colocados pelo caminho, para que ele pudesse passar por sobre os ramos - por isso o domingo de ramos - mas, no Corpus Christi, se faz o tapete e o Padre, na procissão, carregando o ostensório, passa por esse caminho - os tapetes - e, somente após a passagem do ostensório - representação de Cristo - os fiéis podem pisar no tapete. Nesse dia é o único dia em que o Santíssimo Sacramento sai pelas ruas. Em dias comuns, ele é ofertado aos fiéis na missa, no momento da eucaristia" (ÉRIKA L. J.). O interessante que os alunos se dividiram quanto ao conhecimento desta tradição em Valença.

As três manifestações artísticas apresentadas aos alunos - o Madonnaro, a Infiorata e os Tapetes de Corpus Christi - foram pensadas a partir de suas materialidades. O Madonnaro traz consigo uma essência pulverulenta; a Infiorata, nas flores, reforça o aspecto temporário da obra;  os tapetes existem a partir de materiais mais "sólidos". No entanto, todas as manifestações são efêmeras - duram por um curto período. Outra particularidade que as une é quanto ao suporte: todas existem a partir do chão. Porém, é na materialidade que elas se 'individualizam'. Foi a partir daí que propomos aos alunos uma reflexão quanto à materialidade que compõem uma obra de arte. 

Foi quando fizemos o link com a arte contemporânea e apresentamos obras de artistas como, por exemplo, Nelson Lerner. Trabalhamos um momento de leitura visual tendo como referência a obra Homenagem a Fontana II, de 1967. Nela, Leirner explora alguns zíperes que, manipulados, alteram totalmente o significado e a estética da obra. O que permite supor existirem várias obras em uma só. Refletindo sobre a materialiadade colocamos aos alunos que alguns entendem o material apenas como um meio de fazer existir a obra por meio da construção de formas. No entanto, principalmente a partir do advento da Arte Contemporânea, a materialidade passou a ser também uma linguagem, a ter expressividade no discurso da obra. Quando passa a ter expressividade, o material s torna imaterial, já que transcende sua constituição física.

É quando o nosso projeto ganha um título: O MADONNARO E A FOLIA DE REIS: materialidades e imaterialidadesA partir do momento que tais formas de arte trabalham com materiais efêmeros, o que faz com que a obra exista por pouco tempo, também se constituem imaterialidade – pois apenas aqueles que estavam presentes no momento de “existência” da obra poderão guardá-la na memória. Optamos pelo Madonnaro como instrumento técnico-pedagógico dado a facilidade de acesso aos materiais. Acordamos com os alunos de trabalhar com o carvão vegetal, o giz branco e o caco de tijolo. Conseguimos na escola o carvão e os grupos ficaram responsáveis pelo giz e o tijolo. Responsabilidade esta fundamental para o desenvolvimento de uma escala de atitude no que diz respeito ao compromisso social. Uma vez que a Memória seria o legado a ser partilhado pelos alunos, a Folia de Reis foi o investimento temático. 

Esperamos a partir deste investimento temático e da prática do Madonnaro ter reforçado nos alunos a consciência sobre o uso e exploração de materiais, o vínculo com a cultura local e o gosto pelas aulas de Arte. Mais que o cumprimento de uma obrigação curricular foi objetivo nosso possibilitar que os alunos vivenciassem uma experiência que tivesse significado para eles.

REFERÊNCIAS:
CANÇÃO NOVA. A origem da Festa de Corpus Christi. http://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/origem-da-festa-de-corpus-christi/.
COELHO, Marcelo A. Madonnaro: gênero, técnica e linguagem pictórica. 2015. 167 f. Monografia (Graduação em Licenciatura em Belas Artes) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica (RJ).
INFIORATE SPELLO. Origini. 13 novembre 2014. http://infioratespello.it/myportfolio/origini/Acesso em: 20 de outubro de 2016.
L. J., Érika. Tapetes de sal – Corpus Christi. http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4318025
PERIN, Natasha e VINHAS, Tânia. Tapetes coloridos marcam celebração de Corpus Christi pelo mundohttp://viajeaqui.abril.com.br/materias/fotos-tapetes-corpus-christi