* Trabalho apresentado como comunicação oral no VIII Congresso de Pesquisa e Extensão & III Semana de Ciências Sociais UEMG – campus Barbacena. Barbacena (MG), Universidade do Estado de Minas Gerais, 2015. Os organizadores do evento ainda não deram satisfação quanto a publicação dos Anais.
RESUMO
Entre 2012/2013 fui bolsista do
Programa Ciências sem Fronteiras, no curso de História da Arte, na Università degli Studi di Padova, na
Itália. Em Verona, tive a oportunidade de participar de um curso na Scuola Internazionale dei Madonnari. Foi
lá que tive o contato com essa técnica de pintura que remontava ao século XVI.
O nome “Madonnaro” é em decorrência
de aqueles primeiros artistas desenharem no chão, com materiais efêmeros como
giz, carvão e cacos de tijolos, imagens da Madonna,
ou seja, da Virgem Maria. Hoje, a prática deixou de ser um gênero estritamente
religioso. Outros temas habitam o universo da técnica que, considerando os
princípios tradicionais de pintura, se utiliza de recursos pictóricos como
desenho, cor, claro-escuro e outros mais. Por se tratar de uma arte pública,
feita ao ar livre, reúne ao mesmo tempo, o contexto de ateliê e galeria. É
linguagem que comunica beleza, democratiza a arte e promove interação com o
Outro. Conclusões estas obtidas a partir da pesquisa que culminou na monografia
de conclusão de curso de Licenciatura em Belas Artes (UFRRJ) intitulada “Madonnaro: gênero, técnica e linguagem
pictórica”. Após regressar ao curso de Licenciatura em Belas Artes na UFRRJ e
ser selecionado como bolsista PIBID, dei início a um trabalho de investigação
acadêmica e percebendo a potencialidade pedagógica do Madonnaro pensei um projeto
a ser realizado com alunos do Ensino Fundamental II, do Colégio Wanderley
Menezes, em Itaguaí (RJ). A proposta tinha por objetivo pensar conteúdos de
arte e princípios de identidade a partir do Salão Preto e Branco, de 1954, e da
prática Madonnaro. Como metodologia
de trabalho optei pela pedagogia Triangular de Ana Mae Barbosa e os princípios
analíticos propostos por Rudolf Arnheim. A experiência realizada possibilitou
interligar conteúdos de História e Crítica da Arte, assim como, princípios
técnicos de criação e execução em arte. Desmistificando, dessa maneira, os
processos de concepção da imagem. Por meio da produção dos Madonnari, os participantes puderam explorar o carvão
vegetal (preto) e o giz (branco) como possibilidades de criação artística.
Intervir sobre o pavimento permitiu aos alunos compreender o espaço físico da
escola como patrimônio a ser preservado. O contato com a técnica italiana de
pintura propôs uma relação intercultural. Entender a importância do Salão Preto
e Branco no cenário artístico e social brasileiro abriu caminho para a reflexão
quanto à mobilidade social. Diante de tudo isso, foi possível aos alunos repensarem
a si próprios como cidadãos autônomos e responsáveis inseridos numa
coletividade.
PALAVRAS CHAVE: Arte Brasileira. Ciências
Sociais. Educação. Madonnaro.
INTRODUÇÃO
Entre 2012/2013 fui bolsista do Programa Ciências
sem Fronteiras, no curso de História da Arte, na Università degli Studi di Padova, na Itália. Em Verona, tive a
oportunidade de participar de um curso na Scuola
Internazionale dei Madonnari. Foi lá que tive o contato a técnica de
pintura do Madonnaro, que remontava
ao século XVI. O nome ‘Madonnaro’ é
em decorrência de aqueles primeiros artistas desenharem no chão, com materiais
efêmeros como giz, carvão e cacos de tijolos, imagens da Madonna, ou seja, da Virgem Maria.
Hoje, a prática artística deixou de ser um gênero
estritamente religioso. Outros temas habitam o universo da técnica que,
considerando os princípios tradicionais de pintura, se utiliza de recursos
pictóricos como desenho, cor, claro-escuro e outros mais. Por se tratar de uma
arte pública, feita ao ar livre, reúne ao mesmo tempo, o contexto de ateliê e
galeria. É linguagem que comunica beleza, democratiza a arte e promove
interação com o Outro. Conclusões estas obtidas a partir da pesquisa que
culminou na monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Belas Artes
(UFRRJ) intitulada “Madonnaro: gênero, técnica e linguagem pictórica”. Após
regressar ao curso de Licenciatura em Belas Artes na UFRRJ e ser selecionado
como bolsista PIBID, dei início a um trabalho de investigação acadêmica e percebendo
a potencialidade pedagógica do Madonnaro
foi pensado um projeto a ser realizado
com alunos do Ensino Fundamental II, do Colégio Wanderley Menezes, em Itaguaí
(RJ). A proposta tinha por objetivo pensar conteúdos de arte e princípios de
identidade a partir do Salão Preto e Branco, realizado no ano de 1954, e da
prática Madonnaro.
METODOLOGIA
Como metodologia de
trabalho foi escolhida a proposta Triangular de Ana Mae Barbosa – esta baseada
na história da arte, na leitura de imagens e na produção artística – e os
princípios analíticos propostos por Rudolf Arnheim. Como referencial ao Madonnaro recorri ao autor Felice
Naalin, artista, pesquisador e professor-fundador da Scuola Internazionale dei Madonnari de Verona. A pesquisa realizada possibilitou
interligar conteúdos de História e Crítica da Arte, assim como, princípios
técnicos de criação e execução em arte. Desmistificando, dessa maneira, os
processos de concepção da imagem. Todo o projeto foi dividido em oito
encontros, correspondentes ao número de aulas obrigatórias ao quarto bimestre letivo do ano de 2014.
A primeira aula foi dedicada à apresentação do Madonnaro – “Madonnari” quando referente ao plural – os alunos receberam um texto impresso com
as informações que seguem. Que
técnica de pintura seria esta? Por toda a Itália observam-se artistas
desenhando pelo chão. Durante o ano são realizados eventos pelo país reunindo
esses ‘artistas de estrada’. A técnica é conhecida assim porque, no início, os
artistas representavam com frequência a imagem da Madonna – Virgem
Maria. Ao longo do tempo, o Madonnaro expandiu-se por outros caminhos.
Hoje existe o Madonnaro sobre tela e também o Madonnaro
anamórfico (perspectiva, ilusão de ótica) ou 3D. Pelo mundo, e não somente na
Itália, se pratica o Madonnaro. Existem encontros dessa técnica, por
exemplo, nos EUA e no México.
A história do Madonnaro
remonta às origens do Cristianismo no que toca à temática. Numa época em que aparece
nas catacumbas romanas a primeira imagem de Maria com o Menino Jesus. Ali teve
início, talvez de maneira velada, o culto mariano. A partir do contato com a
cultura pagã surgiram vários tipos de representação de Maria (Madonna).
Com o passar dos anos, a Madonna como ideal de beleza, viria a influenciar
para sempre a produção artística ocidental. A imagem de Maria, junto com aquela
do Menino Jesus, a partir de 1539, com os Jesuítas, se tornaria o símbolo da fé
católica. Diante de tudo isso, o ‘desenho’ da Madonna deveria ser uma cópia do original, ou seja, “(...) o
primeiro retrato de Jesus de Nazaré e de sua Mãe.” (NAALIN, 2000, p. 26)
Enquanto técnica, o Madonnaro
surge no século XVI, em Veneza (Itália). Por essa época se tem notícia de El
Greco como um madonnaro. Artistas do Renascimento como, por exemplo,
Rafael e Michelangelo eram as referências escolhidas para figurar nas ruas e
calçadas. Os madonnari são chamados de ‘artistas de estrada’ por não
terem local fixo para executarem seus desenhos. Já naquele tempo iam pelos
santuários a “(...) reproduzir as obras de Rafael ou de Michelangelo ou mais
simplesmente o aumento de qualquer imagem reproduzida em ‘santinhos’” (NAALIN,
2000, p. 18). Viviam das ‘ofertas’ dadas por aqueles que passavam para lá e
para cá.
O Madonnaro é
uma obra pública. Enquanto arte pública ele promove o diálogo e a interação entre
o artista e o público. O que possibilita ao Madonnaro
ser considerado uma linguagem. Por tradição é feito sempre ao ar livre. Isso o
torna efêmero, ou seja, não possui durabilidade. Existe apenas no momento de
sua criação. Logo é “(...) anulado pela primeira chuva ou pelos passos dos
apressados pedestres” (NAALIN, 2000, p. 40). Por outro lado, o fato de não
ser uma arte durável, permite que o Madonnaro seja executado nos mais
diversos lugares sem sujar ou danificar o local. O Madonnaro é uma arte
que dialoga perfeitamente com o espaço físico (escola, casa, prédios, calçadas,
etc.).
O procedimento de execução de um Madonnaro
é bem simples e particular. Porém, Naalin (2000) aponta algumas etapas no
sentido de orientar os primeiros traços daqueles que se aventuram na prática.
Assim, o aspirante deve ter em mãos uma referência pré-selecionada para um
estudo estrutural (Escolha do desenho; cópia num papel;
observação da estrutura linear e das cores...); em seguida, ele deve observar o
pavimento, verificando a existência de buraco ou irregularidades, eliminando
gomas de chicletes, evitando áreas com marcas de graxas ou outro resíduo
químico; depois da escolha do pavimento se passa à demarcação a área
(quadrado/retângulo); a realização de uma quadrícula (dividir espaços com
‘cruzes’ até formar uma malha) tanto no esboço em papel quanto no espaço
demarcado pode ajudar na concepção da obra; o esboço do desenho pode ser feito com
giz claro e linhas bem suaves; finalizado o esboço e definido a estrutura do
desenho é possível marcá-lo com linhas mais firmes; por fim, o aspirantea
artista madonnaro pode aplicar as
cores. Vale lembrar que os primeiros Madonnari eram feitos com carvão,
cacos de tijolo e giz.
Na aula seguinte, que resolvi denominar Madonnaro Livre, a
intenção era que os alunos experimentassem a materialidade do carvão e do giz
branco, além de explorar o suporte. Eles foram levados ao pátio da escola,
localizado em uma área coberta, onde receberam os materiais e de maneira livre
puderam desenhar pelo chão. Na verdade, a aula não transcorreu de maneira tão
livre, haja visto que na aula anterior já fora comentado sobre o processo de
execução de um Madonnaro.
Em um momento posterior se
pensou um
breve panorama histórico sobre o Salão Preto e Branco. Qual a importância
daquela exposição? Quais artistas participaram do evento e foram fundamentais
no desenvolvimento da arte moderna brasileira? Qual a proximidade da proposta
do Salão de 1954 para com os objetivos pensados dentro do projeto Madonnaro? Como parte dessa
contextualização se pretendeu identificar e estimular as possibilidades de
criação e expressão a partir do preto e do branco enquanto recurso cromático.
Iniciando assim, a formação de um pensamento artístico para a produção final do
Madonnaro. Novamente foi passado aos
alunos um texto impresso com as informações que seguem.
O III Salão Nacional de Arte Moderna
(1954) veio a consolidar uma ideia já proposta pelo arquiteto Lucio Costa, em
1931. Como diretor da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), Lucio Costa tinha
a ideia de consolidar a arte moderna no Brasil.
Enquanto diretor daquela instituição de ensino tratou de contratar professores
com pensamentos modernos, além de rever a clássica Exposição Geral de Belas
Artes e os prêmios de viagem ao exterior.
Assim, em 1933, a Exposição Geral de
Belas Artes passava a se chamar Salão Nacional de Belas Artes. Na década de
1940, criaram-se duas divisões internas no Salão de Belas Artes: Moderna e Geral.
O ano de 1951 marcaria a divisão definitiva. Organizou-se, então, o I Salão
Nacional de Arte Moderna. O Salão Preto e Branco, a 3ª edição do SNAM,
desempenhou um papel social de protesto contra a má qualidade das tintas
nacionais e também contra as altas taxas impostas às tintas importadas. Aqueles
artistas se mobilizaram e divulgaram um 'manifesto'. Nele estava escrito:
Nós,
os artistas plásticos abaixo-assinados, apresentaremos no próximo Salão
Nacional de Arte Moderna, a se realizar de 15 de maio a 30 de junho deste ano,
os nossos executados exclusivamente em branco e preto.
Esta
atitude será um veemente protesto contra a determinação do governo em manter
proibitiva a importação de tintas estrangeiras, materiais de gravura e
escultura, papéis (sic) e demais acessórios essenciais ao trabalho
artístico; proibição esta que consideramos um grave atentado contra a vida
profissional do artista contra os altos interesses do patrimônio artístico
nacional. (abril de 1954)” (FERREIRA apud LUZ, 2010, p. 92).
A 'economia' do preto e branco enriqueceu
a cultura brasileira a partir do viés social e artístico. A arte fora
instrumento para o estabelecimento de uma mobilização com reflexos na
sociedade. Da mesma maneira, era desejo que a experiência com o carvão e o giz branco
enriquecesse a cultura pessoal de cada aluno. Enriquecimento esse que
contribuísse para sua autonomia. Participaram daquela
mostra organizada pelos pintores Iberê Camargo, Djanira e Milton Dacosta
artistas como: Renina Katz, Sergio de Camargo, José Pedrosa, Carlos Scliar,
Maria Leontina, Cândido Portinari, Aldemir Martins entre outros.
Quanto aos
procedimentos técnicos se ressaltou que o preto, o branco e o cinza poderiam
ser considerados “tons” – dadas suas características acromáticas (mais adiante
Klee tratará do assunto). Sendo possível, então, se estabelecer um contraste de
intensa polarização entre eles. O branco num extremo e o preto no outro
extremo. O ponto de encontro entre os pólos geraria o cinza. Com base nessa característica
de neutralidade cromática e nas referências escolhidas a criação do Madonnaro deveria atentar à divisão de áreas. O cinza deveria
ser observado como tom médio oferecido pelo próprio pavimento. As formas
recortadas foram exploradas para dar corpo
às imagens. Essa divisão de áreas também destacaria o uso de linhas. Enquanto o
claro-escuro gera gradações, a forma recortada que delimita o espaço e destaca
uma espécie de ‘linha de contenção’.
Para o desenvolvimento do
processo prático de criação foram necessárias duas aulas. Mais uma vez recorri
ao texto impresso como forma de comunicação sobre o assunto. Qual a diferença
entre cópia e criação? A criação é transformar coisas em imagens guardando “um mínimo de aspectos estruturais”
(configuração) e muita imaginação (formas). Essa imaginação é “(...) a descoberta de uma nova forma para um
conteúdo velho (...). A imaginação visual é um dom universal da mente humana,
(...). Ocasionalmente são ajudadas observando outras, mas essencialmente agem
por conta própria.” (ARNHEIM, 1980, p. 132) Arnheim destaca a importância
da referência. A potencialidade criativa que o ser humano traz dentro de si
pode ser viabilizada por meio da observação da realidade e estudo da
referências. A criação é invenção; a cópia é mera repetição.
Como acontece o processo
de criação de um desenho, pintura ou qualquer outra obra de arte? Não existe
uma receita para a criação; ela acontece naturalmente. Mas, há alguns
procedimentos que podem auxiliar na criação artística. Procedimentos estes, não
somente práticos, mas também aqueles de reflexão e pesquisa. Sendo assim, para
criar um trabalho artístico, se deve pensar num tema, pesquisar referências e
só então partir para os estudos/esboços. Nesta última etapa é que se deve
prestar atenção a alguns elementos internos da obra de arte. São eles:
equilíbrio, configuração, forma, espaço, luz e cor.
O primeiro passo é pensar
em um assunto. Pode ser um sentimento, um esporte, uma releitura artística,
etc. A pesquisa de referências é o passo seguinte. Aqui se pode recorrer a
fotografias, recortes de jornais, palavras, imagens de outras obras de arte e
etc. É válido lembrar que referência não é cópia. As imagens recolhidas devem
servir como ponto de partida para a criação e não uma fonte de decalque.
Definido o tema e
recolhidas as referências é urgente passar à etapa de estudos por meio de
esboços. Várias possibilidades podem ser exploradas. Os estudos podem ser
feitos sem preocupação com detalhes. Devem servir para estabelecer as noções
gerais da composição. É a hora de explorar as várias possibilidades de
transformação do assunto em imagens. Durante esse processo se faz necessário
estar atento a como trabalhar alguns elementos próprios da criação artística, bem como estar aberto a qualquer ‘imprevisto’ que
possa lograr inesperados resultados a enriquecer o resultado final.
“A experiência visual é dinâmica”, escreve Arnheim (1980, p. 04).
Embora se trate de formas estáticas de representação existe movimentação visual
no interior de algumas obras de arte. Podemos chamar essas movimentações de
tensões, o que equivale aos ritmos de uma música. Deve-se compreender a
diferença entre o centro geométrico e o centro ótico. Entendido isso é possível
deslocar no espaço pictórico aquilo que é principal na composição da imagem.
Desse modo, criando uma agradável e desafiadora estrada para a contemplação da
obra. O que facilita a integração entre as partes e a totalidade da composição.
Enxergamos primeiro o
geral para somente depois nos determos aos detalhes. Escreveu Arnheim (1980, p.
39): “A visão atua no material bruto da
experiência (...).” Acrescenta ele que uma das formas de configuração é
aquela em que “determina-se a forma
física de um objeto por suas bordas (...).” (Idem) Outra forma de configuração é aquela que podemos chamar
“expressiva”. A configuração expressiva cabe em outra definição proposta por
Arnheim, ou seja, aquela em que se percebe um “(...) eixo principal característico que em realidade não existe no
objeto.” (Idem, p. 40) O artista
mantém a estrutura do objeto, mas usa de liberdade para ‘delineá-lo’.
A forma se diferencia da
configuração pela ‘aparência’. Enquanto a configuração existe inteira, a forma
pode ser ‘mutilada’. Trago como exemplo, o pescador de pé no barco estampado em
xilogravura por Goeldi (Chegada do barco,
s.d), representado dos joelhos para cima. Justamente os pés não podem ser
vistos. A configuração geral abarcaria um único ‘contorno’ para o barco, os
remos e os pescadores. As formas é que vão emancipar os objetos. Sendo assim,
podem existir várias formas dentro de uma configuração.
Por sua vez, as linhas vão
organizar os espaços formais dentro da área do suporte. Vários podem ser os
tipos de linhas: reta, vertical, horizontal, etc. Existindo a possibilidade de
se fazerem evidentes ou não; as ‘linhas de contenção’ podem estar ‘visíveis’ ou
não no delineamento das formas ou áreas de cor. Ainda e termos de organização
espacial, numa imagem dividida horizontalmente, a parte inferior tende a se
aproximar enquanto a superior se distancia. Como outro recurso, as formas
menores e estreitas podem ser captadas pela visão como figura e aquelas largas
e maiores com fundo. A perspectiva é outra forma de interferir na relação
espacial.
Vários estudiosos criaram
teorias sobre o estudo da cor. O pintor suíço Paul Klee elaborou a “Teoria da
Totalidade Cromática”, dividindo as cores por ‘grupos’. O eixo vertical central
apresentava “(...) a escala de valores de
claridade acromáticos desde o branco mais claro na parte superior até o preto
mais escuro na parte inferior.” (ARNHEIM, 1980, p. 336) Nesta escala três
são os pontos fundamentais: o preto, o branco e o cinza. A característica
‘acromática’ é justificada pela relação de luminosidade; o branco é a própria
luz e o preto a ausência de luz. O preto e o branco também carregam valores
simbólicos. O pintor Van Gogh os via como expressão do inverno. Sob outras perspectivas, a cor pode atuar na percepção de espaço
aproximando (cores quentes) ou distanciando (cores frias)
São estes alguns
procedimentos que podem auxiliar no processo de criação de uma imagem
artística. Como foi dito no início, não são regras, pois, a criação é algo
muito individual e dinâmico que transborda para além da razão. Tais
procedimentos funcionam como orientação. O intuito era que os comentários sobre
configuração, espaço, forma, etc. pudessem ao menos servir como matéria de
conhecimento para a formação de um pensamento artístico. Pois estes
procedimentos podem não somente contribuir para a criação artística, mas também
facilitar a leitura de uma obra de arte.
Pensei também uma aula
sobre a Quadrícula. O propósito dessa aula era
apresentar um recurso artístico que pudesse auxiliar na ampliação/redução de
desenhos. Não como obrigatoriedade, mas sim como opção. Recurso este denominado
“Quadrícula”. Algo que facilitasse a experiência de deslizar o lápis sobre o
papel para dar forma ao desenho em maior ou menor escala. O Dicionário Online Michaelis/UOL define
este recurso linear como 'quadradinhos'. Nesta perspectiva, traçando linhas
horizontais e verticais, segundo medidas pré-estabelecidas, é possível obter a
malha quadriculada destinada a auxiliar na reprodução do desenho. Um
texto foi elaborado a fim de compartilhar com os alunos o que fora pesquisado.
A quadrícula ou
malha quadriculada pode facilitar a reprodução de desenhos e desenvolver a
capacidade de organização espacial, percepção e concentração. O recurso permite
a proximidade com operações matemáticas. Tanto no traçado das linhas
horizontais como naquelas verticais o cálculo é uma operação funcional. Por meio
da quadrícula é possível reduzir ou ampliar qualquer desenho. Potencialidades
que podem contribuir, em especial, à produção do Madonnaro quando se
inicia na técnica. Este recurso é uma prática muito antiga.
Comentando o processo de pintura mural do Antigo Egito, Mora&Philippot (2001)
apontaram que aqueles homens já recorriam à quadrícula como recurso para a
proporção das figuras e hieroglifos. Porém, nem todos os artistas fazem uso da
quadrícula. Estes não a usam porque trabalham
interpretando o modelo inicial e, portanto, não exploram a restituição ‘fiel’
da imagem.
A fim de explorar o recurso da
quadrícula, dentro dos objetivos da aula, oferecemos uma folha contendo uma
imagem a ser ampliada. A partir daí, apresentamos aos alunos as seguintes
etapas: 1) Observando o exemplo contido na folha, os alunos deveriam ‘medir’ a
área total do desenho; 2) O próximo passo seria multiplicar essa medida pelo
dobro – pois é o máximo de espaço permitido na folha A4; 3) Em seguida deveriam
traçar as linhas internas obedecendo ao mesmo processo de multiplicação
utilizado anteriormente, ou seja, 2:1. Obtendo assim, a malha quadriculada
necessária para a ampliação. Aqui os alunos deveriam utilizar o lápis de
maneira bem suave para que não ficassem ‘marcas’ no papel; 4) Nesta etapa, os
alunos observariam o desenho-referência, este já sob a quadrícula (1:1), e
iniciariam o processo de transposição ampliada da imagem. Devendo eles estar
atentos à combinação entre letra (vertical) e números (horizontal), dispostos
externamente ao desenho-referência, que serviriam como orientação. Dessa maneira,
atentando à forma contida no quadrante A1, depois naquele A2 e assim
sucessivamente seria possível realizar a ampliação utilizando o recurso; 5)
Feito a transposição total do desenho era necessário apagar aquelas linhas que
não faziam parte da obra. Se necessário poderiam ‘reavivar’ o desenho com
linhas mais definidas.
Produzindo um Madonnaro. Nesta aula, os alunos
deveriam executar o Madonnaro a
partir dos estudos realizados em sala durante as aulas de Criação. Fora da sala
de aula, no pátio da escola, em uma área coberta, os alunos executaram seus
trabalhos. A área foi dividida em quadrados medindo cerca de 1,00m x 1,00m.
Cada aluno pode ocupar um desses espaços. Em seguida, receberam o carvão e o
giz branco para a execução do Madonnaro.
Depois de breves orientações quanto à utilização do material, observação do
estudo que tinham em mãos e cuidado para não obstruir ou danificar o trabalho
do colega – já que estavam um ao lado do outro – os alunos puderam dar início
ao processo produtivo do Madonnaro.
Por fim, a oitava e última
aula. A avaliação bimestral, etapa obrigatória dentro do Projeto Político
Pedagógico da escola, foi explorada não somente para sondar os conhecimentos
adquiridos pelos alunos, mas também como instrumento de pesquisa quanto ao
projeto que empreendemos. Sendo assim, elaboramos uma avaliação com base nos
textos oferecidos aos alunos e nas experiências vivenciadas durante o projeto.
RESULTADOS
E DISCUSSÕES
A avaliação bimestral foi pensada como um
instrumental para avaliação não apenas no que diz respeito ao sistema de notas,
mas também como indicativo do que significou para os alunos o contato com o Madonnaro. Então foi a partir das
respostas observadas naquele instrumental que levantei alguns resultados que
enriquecessem a discussão quanto ao presente trabalho. Aquilo que relato abaixo
foi apurado tendo como base a resposta dos alunos à seguinte pergunta: O que
significou para você produzir uma obra em Madonnaro?
Mediante ao que se pode observar na avaliação, de antemão, foi possível
perceber que os alunos ficaram bastante impressionados com a efemeridade do Madonnaro. Disseram sobre outras coisas,
mas volta e meia tocavam na questão da pouca durabilidade da obra madonnara.
Ao trazer para os alunos a história de uma técnica
pictórica até então desconhecida, além do conhecimento intelectual, tal
atividade possibilitou uma experiência intercultural. Um aluno do 8º ano
revelou: “Foi uma aula muito interessante, porque nunca tinha ouvido falar
nessa obra e isso significou muito, foi uma aula muito agradável.” Outro aluno da mesma turma opinou: “Significou
pra (sic) mim aprender mais sobre
outra cultura saber mais sobre coisas é sempre bom”. Ao que um terceiro aluno,
este do 7º ano, declarou: “Muito interessante e divertido fica (sic) fazendo desenhos no chão. Desenhar oque
(sic) você quiser, mais (sic) o triste é saber que um dia vai
desaparecer.” Um aluno do 7º ano, levantando a questão da obra como produto,
deu a seguinte declaração: “Pra (sic) mim é uma coisa muito linda de se
fazer, mais ao mesmo tempo não é legal porque ela não dura, agente (sic) não
pode levar para casa, como um quadro qualquer. Mas é uma coisa muito bonita. E
eu adorei a experiência.” Como dito antes, a efemeridade parece ter impactado
os alunos. Houve até quem comparasse tal efemeridade à transitoriedade da vida:
“Significou bastante coisa a arte madonnaro
nos mostra que tudo é passageiro, na hora sua obra te passa o que você quer
sentir, logo após você vê que sumiu, que nada é eterno... Esse estilo artístico
é até uma boa lição de vida”, escreveu um aluno 8º ano.
A experimentação dos materiais proporcionou uma
experiência ímpar aos alunos, como se desprende dos comentários a seguir. Um
aluno do 6º ano revelou: “Muito interessante, porque eu nunca fiz nada igual.
Eu pensava que o carvão só servia pra (sic)
fazer fogo.” Seu colega de turma, destacando o desgaste físico requerido com a
técnica, revelou: “Eu gostei muito, e sei que é uma técnica barata e tem como
fazer em casa, o melhor é que é bem fácil de fazer e podemos fazer em casa sem
nenhuma preocupação. A única coisa que eu observei é que machuca muito a coluna
e os joelhos, é necessário tem (sic) bom
porte físico.” Um aluno do 7º ano vibra com a possibilidade do contorno e o
alcance da melhor definição do desenho: “Bom, achei bem interessante porque nós
usamos giz e carvão. E os desenhos ficam muito interecentes (sic) quando damos o
contorno com o giz e depois pintamos com o carvão a parte que desejamos.” Outro
aluno do 7º ano: “Foi legal utilizar instrumentos bobos com o chão o giz e o
carvão. Pintar o chão da escola também foi legal.” Já para um aluno 9º ano “significou
nada mais nada menos do que se expressar apenas com o carvão e o giz mesmo
sabendo que uma chuva ou até mesmo os ‘passos de pessoas’ poderiam apagar.”
Refletir sobre o Salão
Preto e Branco de 1954 possibilitou trabalhar com os alunos a força da mobilização.
Ao organizarem aquele evento os artistas queriam mais que uma exposição de
obras de arte. Almejaram uma mobilização para protestar contra os altos valores
dos impostos sobre a importação de tintas pensando em se fazer ouvidos. Da
mesma maneira trabalhei com os alunos a necessidade da mobilização como forma
de discurso social. Discurso que unifica individualidades sem fragmentar
autonomias. Assim, se algo na escola não está indo bem, os alunos podem se
mobilizar para o diálogo com a direção. Ainda refleti com eles a importância de
pensar o protesto pacífico que enriqueça, acirre debates em torno de questões
coletivas sem causar, no entanto, destruição ou violência.
Enquanto procedimentos de criação cada uma das
turmas do Ensino Fundamental II trabalhou com um artista específico relacionado
ao Salão Preto e Branco de 1954: Milton Dacosta (6º ano); Renina Katz (7º ano);
Iberê Camargo (8º ano); e Oswaldo Goeldi (9º ano). A partir de análises das
obras desses artistas se pode explorar as formas 'recortadas', a linha
'econômica', a composição simples e a 'proximidade' temática com o cotidiano
dos alunos. O fato de estarem iniciando o contato com o Madonnaro requereu como experimentação formas menos complexas, sem
'passagens' tonais ou desenhos 'renascentistas'. Os estudantes tiveram acesso a
três imagens dos artistas correspondentes à sua turma. Mediante elas,
observando-as com cuidado, puderam compor uma nova imagem a partir de seus
elementos formais internos e estilo. Foi a partir dessa nova obra que eles
realizaram seu Madonnaro final no
pátio da escola. A idéia era possibilitar a vivência dos conteúdos
procedimentais previstos nas linhas que desenham nossa Educação, quais sejam:
conceituais, atitudinais e procedimentais.
Ainda foi lembrado a
questão da preservação do patrimônio. Eis o que disse um aluno do 6º ano: “Eu
gostei de produzir madonnaro, porque
não acaba com o nosso pratimônio (sic), ou seja, o artista produz a obra,
as pessoas gostam e depois quando ninguém mais querer (sic) ver todo mundo passa em cima ou chove, desaparece... E assim
não fica que nem pixação (sic).”
Contra a efemeridade um aluno do 7º ano sugeriu perpetuar a obra em uma
fotografia: “Significou algo que não
dura, por isso acho melhor, quando você acabar de fazer o madonnaro tire uma foto. Porque se não (sic), não irá valer a pena fazer o madonnaro.” Cabe ressaltar que vários alunos utilizaram seus
celulares para registrar os trabalhos finais.
A realização da aula
fora do ambiente da sala foi lembrada por alguns alunos. Um aluno do 8º ano
confessou: “Foi bem legal, pelo fato de ser diferente e a aula também foi bem
criativa sendo lá fora, achei uma técnica legal mais que podia durar mais.” No
que um colega de turma reforça: “Foi muito legal, pois a turma saiu da sala e
desenhou em um espaço externo, saindo do tradicional. A pena é que o madonnaro durou pouco.” Parece que a
prática Madonnaro contribuiu para elevar a auto-estima dos alunos. O aluno do
9º ano arriscou: “Significou muito pra mim porque foi legal reproduzir um
desenho que eu criei lá fora para todos vêem e essa técnica é legal por isso.”
CONCLUSÃO
Por meio da produção dos Madonnari, os participantes puderam
explorar o carvão vegetal (preto) e o giz (branco) como
possibilidades de criação artística. Sem contar que diante das limitações
orçamentárias e financeiras se trata de um material econômico e acessível. Intervir
sobre o pavimento permitiu aos alunos compreender o espaço físico da escola
como patrimônio a ser preservado. O contato com a técnica italiana de pintura
propôs uma relação intercultural. Entender a importância do Salão Preto e
Branco no cenário artístico e social brasileiro abriu caminho para a reflexão
quanto à mobilidade social. O que reforça a força do Madonnaro enquanto
instrumento para práticas educativas.
Mais que isso, o Madonnaro
é uma estrada para se pensar soluções e formas de discurso através dos
elementos da arte. Por meio do Madonnaro podemos ‘falar’ o que pensamos
ou sentimos. A cor, a linha e a forma são como as palavras que pronunciamos. Saber
explorar tais elementos é como articular um texto escrito ou um discurso
falado. Ainda, a experiência vivenciada através do projeto no Colégio Wanderley
Menezes permitiu concluir que a técnica pictórica do Madonnaro se mostrou interdisciplinar. É possível refletir sobre a
arte, a história, a matemática... e a vida. Diante de tudo isso, foi possível
repensar a si próprio como cidadão autônomo e responsável inserido numa
coletividade. Por isso, o Madonnaro
se mostrou uma técnica pictórica de amplas possibilidades pedagógicas para a
mediação de saberes.
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