Participantes da oficina em ação.
Foto: Gil Del Carmo
No último dia 21 de
maio, na Casa de Cultura de Itaguaí, dentro do evento 14ª Semana de Museus,
tivemos a oportunidade de realizar a oficina intitulada “O Madonnaro na construção de paisagens culturais”. A oficina contou
com a participação de mais ou menos 15 pessoas. Nosso objetivo era apresentar o Madonnaro como técnica
pictórica para a promoção do diálogo entre o indivíduo e o território na
construção de paisagens culturais.
Num primeiro momento, em uma das salas anexas ao prédio da instituição,
reunimos o grupo para uma breve contextualização quanto ao Madonnaro em face da Semana de Museus. A ideia era projetar as
informações em slides, mas não foi possível utilizar o equipamento. Iniciamos
compartilhando com o grupo o objetivo da oficina, qual era: “Apresentar o Madonnaro
como técnica pictórica para a promoção do diálogo entre o indivíduo e o
território na construção de paisagens culturais”. Esse diálogo deveria encaminhar
para a criação de vínculo entre o indivíduo e o território.
Em seguida, abordamos a proposta do IPHAN através da 14ª Semana Nacional
de Museus 2016. Uma proposta traduzida num “(...) convite para que o território seja compreendido ou ressignificado como
espaço cultural vital das comunidades” (IBRAM/IPHAN, 2016). Sem contar o
reforço do papel do museu como um agente de “qualificação dos entornos” quando
atua como “dinamizador de oportunidades culturais e econômicas” (idem). O que evoca a perspectiva de
museu integral instituída a partir da Mesa de Santiago (1972).
Após abordar o tema explorado pelo IPHAN partimos na direção de
conceituar o termo “Paisagem Cultural”. A categoria de “Paisagem Cultural” foi
reconhecida pela UNESCO, no ano de 1992. No Brasil, o conceito
ganhou força a partir de 2009, quando o IPHAN adotou a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira[1]
(CENEDOM, 2015). Uma nova visão
do conceito de paisagens culturais entende “(...) que os espaços externos são
ao mesmo tempo lugares de memória e seus espelhos (...)” (IBRAM/IPHAN, 2016). Assim,
a integração entre vaqueiro e o sertão dá forma a um determinado tipo de
paisagem cultural. Ao que associamos a cidade de Curtatone, onde o Madonnaro fora reconhecido como arte, ao
artista madonnaro como exemplo
contextual de paisagem cultural.
Em outro momento
tratamos de apresentar o Madonnaro. A
prática de pintura no chão surgiu no século XVI, em Veneza, na Itália.
Inicialmente, era uma alternativa de ganho àqueles conhecidos como desocupados.
O Madonnaro existiu sem muita
importância até a década de 1950 – depois de quase desaparecer no entre guerras
– quando os estudantes da Academia passaram a se interessar pela prática. O
auge viria na década de 1970 quando é organizado o Encontro de Madonnari[2]
de Curtatone. A partir desse encontro o Madonnaro
passa a ser reconhecido como técnica artística. Logo depois é organizado a
Escola de Madonnaro de Verona
(Itália). Na década de 1980, com a chegada do artista americano Kurt Wenner, o Madonnaro se internacionaliza e ganha a
versão 3D ou anamórfico.
O italiano Naalin (2000, p. 34) define
a técnica com “(...) l'antica arte di stendere con le dita e il palmo della mano il
gesso sull'asfalto”[3]. Os primeiros artistas madonnari utilizavam carvão, gesso, cacos de tijolos e terra
colorida para a realização de suas obras. A efemeridade, quando uma pintura no
chão pode deixar de existir a partir da chuva que cai, dos passos apressados
dos pedestres ou pelo soprar do vento, se constitui na principal característica
do Madonnaro.
Na Veneza do século XVI
chegaram vários pintores vindos de Creta. Esses pintores, observando o contexto
comercial de Veneza e a devoção dos moradores, investiram na pintura e venda de
ícones da Virgem Maria, ou, Madonna –
em italiano. Daí a denominação de “Madonnaro”
– aqueles que pintam a imagem da Madonna.
Foi observando tal “nicho comercial” que os desocupados da época perceberam uma
chance de garantir seu sustento a partir das ofertas recebidas pelas pinturas
feitas no chão à frente das igrejas durante as festividades em honra de Maria.
Consta que o pintor El Greco tenha atuado como artista madonnaro, enquanto pintor de ícones, em Veneza. Atualmente, um
conjunto de leis e artigos regulamenta a técnica em solo italiano.
Estabelecemos algumas
interfaces entre o Madonnaro e a
Semana Nacional de Museus. A primeira delas dizia respeito ao suporte para a criação madonnara:
o chão. Nada mais territorial do que a terra, o piso, o pavimento. Uma das primeiras ações ao lançar sobre o chão
uma pintura madonnara é demarcar
a área a ser ocupada pela obra. Assim,
o artista intervém para propor o espaço público como espaço visível,
contemplativo e não apenas zona de percurso. Aquele ‘recorte’ no solo, transforma o espaço-suporte, em área
artística´para a ressignificação. É ao redor deste espaço que o público
se posiciona e desenvolve seu ativo papel no desenvolver da atividade madonnara.
Em torno da obra, as pessoas contemplam, dialogam com o artista e palpitam. Institui-se então, a perspectiva integradora
proposta pelo evento.
A outra interface
estabelecida era aquela da paisagem cultural. A partir de uma análise do
Encontro Internacional de Madonnari
de Curtatone foi possível dimensionar o
potencial do Madonnaro enquanto paisagem
cultural. À frente do Santuário da Bem Aventurada Maria, no distrito de
Grazie di Curtatone, agachado a criar sua obra, o artista madonnaro é parte daquela paisagem. A Feira de Grazie de Curtatone,
que acontece paralela ao encontro, revela o potencial econômico da região. Por sua vez, o Encontro de artistas madonnari valorizou a prática artística e internacionalizou uma cultura que era nacional.
Na paisagem cultural de Curtatone ocorre a integração entre artista, comunidade e público visitante.
Finalizando a
apresentação exibimos o vídeo Madonnari –
Tecnica del gessetto[4]. O
vídeo mostra a criação de um Madonnaro
onde o artista representa o célebre afresco sistino em que Michelangelo
representa a Criação do homem. A
partir da percepção das sombras que passam de um lado ao outro da imagem é
possível contabilizar o tempo gasto para a produção daquela obra. Ao final,
todos extasiados puderam contemplar a maravilhosa solução técnica e estética
alcançada na realização daquela pintura sobre o chão.
Como metodologia para o
desenvolvimento da parte prática da oficina optamos pelo seguinte procedimento:
distribuição das cartolinas pretas e dos gizes; elaboração dos estudos
preliminares; direcionamento para o pátio à frente do prédio; escolha dos
espaços; distribuição dos materiais; demarcação das áreas; elaboração dos
desenhos (esboços); lançamento das cores. A integração dos participantes com o Madonnaro e o território foi total. Era
visível a satisfação com que produziam suas pinturas. O aspecto lúdico da
atividade se fazia presente a todo o instante fosse nos diálogos ou nos
movimentos para execução da pintura. Houve um momento que um cachorro se dirigiu
a uma das obras e sem cerimônia alguma se deitou o trabalho de um dos
participantes. O riso foi geral!
O participante 'desolado' a olhar o cachorro deitado sobre sua obra.
Foto: Marcelo Amaral
Ao final, ficou a
certeza que o Madonnaro pode
perfeitamente promover a interação do indivíduo com seu meio. As pinturas à
frente do prédio da Casa de Cultura de Itaguaí conferiram um colorido todo
especial ao local. Um casal, vindo de uma cidade vizinha, observando aquela
movimentação se achegou a também participou produzindo sua obra. Naquela tarde
de sábado foi possível perceber a integração entre os participantes, o
território e o público visitante. O que trouxe um novo significado para o chão
da Casa de Cultura e, consequentemente, para quem mora ou visita Itaguaí.
REFERÊNCIAS:
CENEDOM. Museus e paisagens culturais. Boletim Bibliográfico Cenedom. Nº 41,
dezembro, 2015. Disponível em: <http://eventos.museus.gov.br/docs/14snm-
docs/Bibliografia.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2016.
IBRAM/IPHAN. Museus e paisagens culturais. 14ª Semana de Museus. Disponível em:<http://eventos.museus.gov.br/docs/14snmdocs/14%20Semana%20Nacional%20de%20Museus%20MUSEUS%20E%20PAISAGENS%20CULTURAIS_.pdf>.
Acesso em: 20 de maio de 2016.
NAALIN, Felice. L'arte dei madonnari.
Le tecniche. Del segno e del colore. Firenze,
Itália, Giunti Demetra, 2000. Disponível em: <https://books.google.com.br/books>.
Acesso em: 03 de novembro de 2014.
Paisagem
Cultural. Maria Regina Weisshelmer (org.). Brasília (DF):
DEPAM/IPHAN, 2009. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Livreto_paisagem_cultural.pdf>.
Acesso em: 20 de maio de 2016.
YOUTUBE.
“Madonnaro – Técnica do giz”.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eg5DQuq3XTw>.
Acesso em: 26 de maio de 2016. (Vídeo)
[1] “A chancela é
uma espécie de selo de qualidade, um instrumento de reconhecimento do valor
cultural de uma porção definida do território nacional, que possui
características especiais na interação entre o homem e o meio ambiente. Sua
finalidade é atender o interesse público por determinado território que faz
parte da identidade cultural do Brasil” (DEPAM/IPHAN, 2009, p. 18).
[2] Quando no plural, de acordo com
a língua italiana, a palavra masculina perde a terminação –o que é substituída
pela terminação –i.
[3] “(...) a antiga arte de espalhar
com os dedos e o palmo da mão o giz sobre o asfalto”.
[4] “Madonnaro – Técnica do giz”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eg5DQuq3XTw>. Acesso em: 26 de maio de
2016.