terça-feira, 7 de junho de 2016

O MADONNARO NA CONSTRUÇÃO DE PAISAGENS CULTURAIS

Participantes da oficina em ação.
Foto: Gil Del Carmo

No último dia 21 de maio, na Casa de Cultura de Itaguaí, dentro do evento 14ª Semana de Museus, tivemos a oportunidade de realizar a oficina intitulada “O Madonnaro na construção de paisagens culturais”. A oficina contou com a participação de mais ou menos 15 pessoas. Nosso objetivo era apresentar o Madonnaro como técnica pictórica para a promoção do diálogo entre o indivíduo e o território na construção de paisagens culturais.
Num primeiro momento, em uma das salas anexas ao prédio da instituição, reunimos o grupo para uma breve contextualização quanto ao Madonnaro em face da Semana de Museus. A ideia era projetar as informações em slides, mas não foi possível utilizar o equipamento. Iniciamos compartilhando com o grupo o objetivo da oficina, qual era: “Apresentar o Madonnaro como técnica pictórica para a promoção do diálogo entre o indivíduo e o território na construção de paisagens culturais”. Esse diálogo deveria encaminhar para a criação de vínculo entre o indivíduo e o território.
Em seguida, abordamos a proposta do IPHAN através da 14ª Semana Nacional de Museus 2016. Uma proposta traduzida num “(...) convite para que o território seja compreendido ou ressignificado como espaço cultural vital das comunidades” (IBRAM/IPHAN, 2016). Sem contar o reforço do papel do museu como um agente de “qualificação dos entornos” quando atua como “dinamizador de oportunidades culturais e econômicas” (idem). O que evoca a perspectiva de museu integral instituída a partir da Mesa de Santiago (1972).
Após abordar o tema explorado pelo IPHAN partimos na direção de conceituar o termo “Paisagem Cultural”. A categoria de “Paisagem Cultural” foi reconhecida pela UNESCO, no ano de 1992. No Brasil, o conceito ganhou força a partir de 2009, quando o IPHAN adotou a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira[1] (CENEDOM, 2015). Uma nova visão do conceito de paisagens culturais entende “(...) que os espaços externos são ao mesmo tempo lugares de memória e seus espelhos (...)” (IBRAM/IPHAN, 2016). Assim, a integração entre vaqueiro e o sertão dá forma a um determinado tipo de paisagem cultural. Ao que associamos a cidade de Curtatone, onde o Madonnaro fora reconhecido como arte, ao artista madonnaro como exemplo contextual de paisagem cultural.
Em outro momento tratamos de apresentar o Madonnaro. A prática de pintura no chão surgiu no século XVI, em Veneza, na Itália. Inicialmente, era uma alternativa de ganho àqueles conhecidos como desocupados. O Madonnaro existiu sem muita importância até a década de 1950 – depois de quase desaparecer no entre guerras – quando os estudantes da Academia passaram a se interessar pela prática. O auge viria na década de 1970 quando é organizado o Encontro de Madonnari[2] de Curtatone. A partir desse encontro o Madonnaro passa a ser reconhecido como técnica artística. Logo depois é organizado a Escola de Madonnaro de Verona (Itália). Na década de 1980, com a chegada do artista americano Kurt Wenner, o Madonnaro se internacionaliza e ganha a versão 3D ou anamórfico.
O italiano Naalin (2000, p. 34) define a técnica com “(...) l'antica arte di stendere con le dita e il palmo della mano il gesso sull'asfalto[3]. Os primeiros artistas madonnari utilizavam carvão, gesso, cacos de tijolos e terra colorida para a realização de suas obras. A efemeridade, quando uma pintura no chão pode deixar de existir a partir da chuva que cai, dos passos apressados dos pedestres ou pelo soprar do vento, se constitui na principal característica do Madonnaro.
Na Veneza do século XVI chegaram vários pintores vindos de Creta. Esses pintores, observando o contexto comercial de Veneza e a devoção dos moradores, investiram na pintura e venda de ícones da Virgem Maria, ou, Madonna – em italiano. Daí a denominação de “Madonnaro” – aqueles que pintam a imagem da Madonna. Foi observando tal “nicho comercial” que os desocupados da época perceberam uma chance de garantir seu sustento a partir das ofertas recebidas pelas pinturas feitas no chão à frente das igrejas durante as festividades em honra de Maria. Consta que o pintor El Greco tenha atuado como artista madonnaro, enquanto pintor de ícones, em Veneza. Atualmente, um conjunto de leis e artigos regulamenta a técnica em solo italiano.
Estabelecemos algumas interfaces entre o Madonnaro e a Semana Nacional de Museus. A primeira delas dizia respeito ao suporte para a criação madonnara: o chão. Nada mais territorial do que a terra, o piso, o pavimento. Uma das primeiras ações ao lançar sobre o chão uma pintura madonnara é demarcar a área a ser ocupada pela obra. Assim, o artista intervém para propor o espaço público como espaço visível, contemplativo e não apenas zona de percurso. Aquele ‘recorte’ no solo, transforma o espaço-suporte, em área artística´para a ressignificação. É ao redor deste espaço que o público se posiciona e desenvolve seu ativo papel no desenvolver da atividade madonnara. Em torno da obra, as pessoas contemplam, dialogam com o artista e palpitam. Institui-se então, a perspectiva integradora proposta pelo evento.
A outra interface estabelecida era aquela da paisagem cultural. A partir de uma análise do Encontro Internacional de Madonnari de Curtatone foi possível dimensionar o potencial do Madonnaro enquanto paisagem cultural. À frente do Santuário da Bem Aventurada Maria, no distrito de Grazie di Curtatone, agachado a criar sua obra, o artista madonnaro é parte daquela paisagem. A Feira de Grazie de Curtatone, que acontece paralela ao encontro, revela o potencial econômico da região. Por sua vez, o Encontro de artistas madonnari valorizou a prática artística e internacionalizou uma cultura que era nacional. Na paisagem cultural de Curtatone ocorre a integração entre artista, comunidade e público visitante.
Finalizando a apresentação exibimos o vídeo Madonnari – Tecnica del gessetto[4]. O vídeo mostra a criação de um Madonnaro onde o artista representa o célebre afresco sistino em que Michelangelo representa a Criação do homem. A partir da percepção das sombras que passam de um lado ao outro da imagem é possível contabilizar o tempo gasto para a produção daquela obra. Ao final, todos extasiados puderam contemplar a maravilhosa solução técnica e estética alcançada na realização daquela pintura sobre o chão.
Como metodologia para o desenvolvimento da parte prática da oficina optamos pelo seguinte procedimento: distribuição das cartolinas pretas e dos gizes; elaboração dos estudos preliminares; direcionamento para o pátio à frente do prédio; escolha dos espaços; distribuição dos materiais; demarcação das áreas; elaboração dos desenhos (esboços); lançamento das cores. A integração dos participantes com o Madonnaro e o território foi total. Era visível a satisfação com que produziam suas pinturas. O aspecto lúdico da atividade se fazia presente a todo o instante fosse nos diálogos ou nos movimentos para execução da pintura. Houve um momento que um cachorro se dirigiu a uma das obras e sem cerimônia alguma se deitou o trabalho de um dos participantes. O riso foi geral!

O participante 'desolado' a olhar o cachorro deitado sobre sua obra.
Foto: Marcelo Amaral

Ao final, ficou a certeza que o Madonnaro pode perfeitamente promover a interação do indivíduo com seu meio. As pinturas à frente do prédio da Casa de Cultura de Itaguaí conferiram um colorido todo especial ao local. Um casal, vindo de uma cidade vizinha, observando aquela movimentação se achegou a também participou produzindo sua obra. Naquela tarde de sábado foi possível perceber a integração entre os participantes, o território e o público visitante. O que trouxe um novo significado para o chão da Casa de Cultura e, consequentemente, para quem mora ou visita Itaguaí.

REFERÊNCIAS:
CENEDOM. Museus e paisagens culturais. Boletim Bibliográfico Cenedom. Nº 41, dezembro, 2015. Disponível em: <http://eventos.museus.gov.br/docs/14snm- docs/Bibliografia.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

IBRAM/IPHAN. Museus e paisagens culturais. 14ª Semana de Museus. Disponível em:<http://eventos.museus.gov.br/docs/14snmdocs/14%20Semana%20Nacional%20de%20Museus%20MUSEUS%20E%20PAISAGENS%20CULTURAIS_.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

NAALIN, Felice. L'arte dei madonnari. Le tecniche. Del segno e del colore. Firenze, Itália, Giunti Demetra, 2000. Disponível em: <https://books.google.com.br/books>. Acesso em: 03 de novembro de 2014.

Paisagem Cultural. Maria Regina Weisshelmer (org.). Brasília (DF): DEPAM/IPHAN, 2009. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Livreto_paisagem_cultural.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

YOUTUBE. “Madonnaro – Técnica do giz”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eg5DQuq3XTw>. Acesso em: 26 de maio de 2016. (Vídeo)


[1] “A chancela é uma espécie de selo de qualidade, um instrumento de reconhecimento do valor cultural de uma porção definida do território nacional, que possui características especiais na interação entre o homem e o meio ambiente. Sua finalidade é atender o interesse público por determinado território que faz parte da identidade cultural do Brasil” (DEPAM/IPHAN, 2009, p. 18).
[2] Quando no plural, de acordo com a língua italiana, a palavra masculina perde a terminação –o que é substituída pela terminação –i.
[3] “(...) a antiga arte de espalhar com os dedos e o palmo da mão o giz sobre o asfalto”.
[4]Madonnaro – Técnica do giz”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eg5DQuq3XTw>. Acesso em: 26 de maio de 2016.