"Rosto de Jesus", obra realizada em Verona (Itália). Marcelo Amaral
“L'arte dei madonnari. Le tecniche. Del segno e del colore”* parece
ter sido escrito com a finalidade didática de compartilhar o madonnari.
Vai da história até os procedimentos de execução. O autor, Felice Naalin,
é, antes de tudo, um madonnaro. Rodou o mundo desenhando sobre pavimentos. Mas
também é professor_ e fundador da Scuola Internazionale di Madoneri de Verona
(Itália)_ e estudioso do tema. Pioneiro. “Dos madonnari jamais se havia
escrito até os anos ‘70’”, diz ele em Artista se nasce (2006).
Revelando ainda em tom confessional: “Quem
quiser, portanto, refazer o gesto dos
artistas da estrada, retornando no tempo, deve assumir uma postura de
apaixonado, viver como filho na arte os gestos dos pais, procurando estabelecer
as necessidades, a ritualística do passado.” (2006, p. 91)
A
história dos madonnari remonta às origens do Cristianismo. Se não enquanto
técnica, tão somente como temática. Numa época em que são percebidas nas
catacumbas as imagens de Maria com o menino Jesus. Ali tem início o culto
mariano. Um culto com influências pagãs de divindades femininas “(...) bem enraizadas nos cultos populares.”
(p. 10) Desse contato com a cultura pagã surgem vários tipos de representação
de Maria (Madonna). A Madonna como ideal de beleza iria influenciar a
arte pictórica. “Na Madonna se encarna o
mito da beleza absoluta, e sobre este tema artistas grandes e pequenos, nômades
como os madonnari ou locais como aqueles de cavalete, têm criado sugestões para
o culto e com frequência obras de arte sublimes.” (p. 12). A imagem de Maria,
junto com aquela do menino Jesus, a partir de 1539, com os Jesuítas, “(...) se
tornaram o motivo condutor da cultura católica.” (p. 25) A imagem deveria
ser uma cópia do original, ou seja, “o ponto de referência é o primeiro
retrato de Jesus de Nazaré e de sua Mãe.” (p. 26)
Entre
os séculos VIII e IX, é quando se acirram os debates sobre a representação do
sagrado. Período conhecido como “Iconoclasta”. É quando se trava “(...) uma espécie
de guerra entre a Igreja Romana e a autoridade do Império do Oriente pelo
dinheiro ganho com a venda dos ícones, um conflito iniciado por Leone III.”
(p. 26) Findando a Idade Média a arte ganha mais independência. O Renascimento
traz consigo os gênios da pintura. Os
madonnari crescem à sombra desses grandes artistas. Reproduzem suas obras com o
objetivo de divulgá-las. Vão pelos santuários a “(...) reproduzir as obras
de Rafael ou de Michelangelo ou mais simplesmente o aumento de qualquer imagem
reproduzida em ‘santinhos’.” (p. 18) No século XVI, em Veneza, se tem
notícia dos primeiros madonnari, provenientes de Creta. Dentre eles, Domedico
Theotocopoulos, simplesmente conhecido como El Grego. Daí em diante o madonnari
se desenvolve sem muito destaque, como disse o autor logo nas primeiras linhas
do presente livro.
O
madonnari é uma obra pública. Em completa relação com o outro. “No fundo, os
produtores e os destinatários das obras de arte interagem, se tornando em
qualquer modo um unicum.”
Pode-se definí-lo como “(...) a antiga arte de espalhar com os dedos e a
palma da mão o giz sobre o asfalto.” (p. 34) Uma obra feita ao ar livre. Tal
aspecto externo, exposto ao tempo, torna o madonnari efêmero, “anulado pela
primeira chuva ou pelos passos dos apressados pedestres.” (p. 40) Mas, de
outra parte, a efemeridade é característica pré-existente para que a obra seja
executada em locais onde, por questões históricas ou arquitetônicas, não possa
ter vida longa.
Naalin acena com aquele que deve ser o procedimento para execução do madonnari.
Primeiro se deve escolher o modelo; depois é conveniente fazer um esboço e em
seguida definir o desenho. Para que o pastel penetre bem e, por conseguinte, as
cores se façam estáveis, é fundamental que se atente à escolha da superfície
que deve ser “(...) bastante homogênea e com uma porosidade não excessiva.”
(p. 117) Deve-se estar atento àquilo que possa interferir no resultado final da
obra. Assim, resíduos gordurosos (óleos, graxas, etc.), restos de goma de
mascar (chicletes), ceras e tantos outros devem ser eliminados. A área a
receber o madonnaro deve ser demarcada em forma de quadrado ou
retângulo. Para inserir a figura “(...) é necessário dividir o espaço da
representação em verticais e em horizontais, resultando numa cruz centrada
sobre o campo de operação.” (p. 118) Os espaços devem novamente ser
subdivididos formando, então, um quadrado ou retângulo central que “receberá” a imagem. O esboço sobre o
pavimento “(...) vai realizado com um pastel de tom neutro e com pouca
intensidade de cor.” (p. 117) Somente então é que se aplicam as áreas de
cor. Considerando que “o sábio uso das cores quentes ou frias, colocadas
corretamente, dá qualidade à imagem.” (p. 111)
O
madonnari se constitui numa ótima ferramenta pedagógica. Principalmente no que
diz respeito ao público infantil. O autor confessa: “Encontrar nas praças
grupos de crianças que com alegria e orgulho desenham sobre o asfalto os temas
a elas importantes é de notável fascínio.” (p. 34) Não há como negar a
origem religiosa da técnica. Porém, existe o aspecto lúdico. Desenhar com giz é
extremamente prazeroso. E o lúdico pertence ao humano. Em razão disso, também o
madonnaro é próprio aos adultos. Escreve o autor: “(...) podemos
afirmar que a profissão do desenhista de imagens nasce da necessidade que tem o
homem de representar o invisível.” (p. 14) Diante disso é possível ao
adulto de se expressar. Naquele contexto inicial da técnica, o invisível era
especificamente o divino. Hoje pode ser a angústia, os sonhos, a raiva, a
amizade... o interior do indivíduo. A partir daí, então, se permite pensar
soluções e formas de discurso através dos elementos da arte.
* A Arte
dos madonnari. As técnicas. Da linha e da cor.
BIBLIOGRAFIA:
DICIONÁRIO ITALIANO. In: http://dizionarioitaliano.it.
NALIN,
Felice. L'arte dei madonnari. Le tecniche. Del segno e del colore.
Giunti Demetra, 2000.
____________.
Artisti si nasce. Tormento ed estasi. West Press, 2006
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