(Texto originalmente apresentado a uma turma de 7º ano, do Instituto Educacional Zion, em Itaguaí (RJ), no ano de 2018).
Uma
reflexão quanto aos homens memórias implica pensar a definição
das palavras. A palavra “Homem” vem dimensionada no Webster’s
Dictionary 1828 como:
(s.m.) 1. humanidade; a raça humana; toda a espécie de seres
humanos; seres distinguidos de todos os outros animais pelos poderes
da razão e da fala, bem como pela sua forma e aspecto digno; 2. Um
indivíduo do sexo masculino da raça humana; 3. Um macho da raça
humana; usado frequentemente em palavras compostas, ou na natureza de
um adjetivo; como um homem-criança; homens cozinheiros;
homens-servos”.
Cabe
ressaltar que a definição nº 3 parece aquela que melhor se adapta
ao conceito de homem abordado neste texto. A palavra “Homem” vem
composta de outra que mais que lhe conferir uma ‘qualidade’ pode
expressar sua ‘identidade social’, seu vínculo com o grupo.
Por
sua vez, o substantivo feminino ‘Memória’, da
raiz grega ‘mente’ significa “a faculdade da mente pela qual
ela retém o conhecimento de eventos passados, ou de ideias passadas”
(WEBSTER 1828 BRASIL). No caso, o termo ‘retém’ é mais que
guardar para si mesmo; pode ser entendido como conservar para
compartilhar. A memória, primeiro até pode ser individual, mas se
ela não for socializada, morre como uma vaga lembrança. Eis o que
escreveu Jacques Le Goff (1990, p. 477): “A memória,
onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o
passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma
a que a memória sirva para a libertação e não para a servidão
dos homens”.
Assim
sendo, vale a pena raciocinar sobre os homens-memória. Esses homens
eram um patrimônio cultural das sociedades da oralidade: Nestas
sociedades sem escrita há especialistas da memória, homens-memória:
“genealogistas”, guardiões dos códices reais, historiadores da
corte, “tradicionalistas”, dos quais Balandier [...] diz que são
“a memória da sociedade” e que são simultaneamente os
depositários da história “objetiva” e da história
“ideológica”, para retomar o vocabulário de Nadel (LE GOFF,
1990, p. 429).
Os
homens memórias eram ‘responsáveis’ por compartilhar com as
novas gerações os tesouros culturais do passado. Preservando assim
a vida em sua dimensão social, cultural, espiritual e até mesmo
fisiológica. Na maioria das vezes os homens memórias eram idosos
que, pela longa estrada de vida, eram detentores dos conhecimentos
referentes ao grupo do qual fazia parte. Leroi-Gourhan (LE GOFF,
1990, p. 429), dentre outros, reconhece os idosos como personagens
“na humanidade tradicional, o importantíssimo papel de manter a
coesão do grupo”.
Na
Bíblia a velhice aparece representada de maneira poética na
metáfora dos cabelos brancos (Prov. 16.31; Sal. 71.18; Is. 46.4; Dn
7.9; Jó 15.10). O respeito
foi requerido por Moisés aos homens memória quando escreveu:
“Fiquem de pé na presença das pessoas idosas e as tratem com todo
o respeito” (Lv 19.32 apud ULTIMATO,
1999). O ‘sofrido’
Jó (8.8) dá uma dica: “Indaga às gerações passadas, e
considera o aprendizado que seus pais acumularam”. A todo o
momento, na Bíblia, é estimulada a valorização dos homens-memória
por meio da interação respeitosa, educativa e dialógica.
Em A
República, Platão escreve uma experiência entre Sócrates e
Céfalo, pai de Polemarco. Ao visitar aquele idoso Sócrates ouviu
dele o pedido de aparecer mais vezes já que não podia mais se
locomover com facilidade e circular pela cidade: “Ó Sócrates, tu
vens muito raramente ao Pireu para nos visitar. Mas devias fazê-lo
mais vezes, (...). Fica sabendo bem: à medida que vão murchando
para mim os prazeres físicos, nessa mesma aumentam o desejo e o
prazer da conversa” (PLATÃO, 2005, p. 08). Naturalmente essas
conversas figuram reminiscências de fatos passados.
Então,
Sócrates destaca a riqueza dessa conversa: “Certamente, ó Céfalo
– disse eu –, pois é para mim um prazer conversar com pessoas
mais velhas. Efetivamente, parece-me que devemos informar-nos junto
delas, como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que
talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas características, se é
áspero e difícil, ou fácil e transitável” (PLATÃO, 2005, p.
08). A partir daí iniciam um fecundo bate-papo sobre a vida e a
velhice...
Os
homens-memória estão relacionados ao patrimônio cultural por serem
detentores de significados culturais que outras formas de
‘transmissão’ como a escrita, a Imprensa, a mídia eletrônica e
a internet não foram nem são capazes de fazê-lo. A existência dos
homens-memória se justifica pela interação social: são adiantados
em idade, mas estão vivos; se estão vivos necessitam, podem e têm
direito a se relacionar com o outro. Sem os relacionamentos
interpessoais não há compartilhamento e apropriação do patrimônio
cultural. Daí que a aprendizagem de competências e princípios como
o respeito, o diálogo, o caráter e tantos outros podem fazer a
diferença nessa ‘modalidade’ de Educação Patrimonial.
REFERÊNCIAS:
BÍBLION.
Velhice na Bíblia.
Disponível em: <https://www.bibliaon.com/velhice/>.
Acesso em: 24 de outubro de 2018.
LE
GOFF, Jacques. Memória. In: _______. História
e memória. Trad.
Bernardo Leitão... [et
al.].
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990, p. 423-483.
PLATÃO.
Sócrates. In: ________. A
República. Trad.
Heloisa da Graça Burati. São Paulo (SP): Rideel, 2005, p. 07-36.
ULTIMATO.
A Bíblia e o idoso. Revista
Ultimato, Viçosa
(MG), Ed. 259, Julho-Agosto, 1999. Disponível em:
<https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/259/a-biblia-e-o-idoso>.
Acesso em: 24 de outubro de 2018.
WEBSTER
1828 BRASIL.
Disponível em: <http://www.dicionario1828.com/>.
Acesso em: 24 de outubro de 2018.
WEBSTER’s
DICTIONARY 1828.
Disponível em: <http://webstersdictionary1828.com/>.
Acesso em: 24 de outubro de 2018.
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